GUARDIANEWS de 02.12.2012

 

João Sombra: O aventureiro que deu a volta ao mundo em um veleiro

O Guardian, embarcação na qual João Sombra  e a família cruzaram o mundo

O arquiteto carioca João Sombra tem 70 anos, é aposentado pela Caixa Econômica Federal, casado e pai de dois filhos. Ele poderia ser um senhor de terceira idade curtindo em casa o descanso e tranquilidade possibilitados pela aposentadoria, mas está bem longe disso. João Sombra é melhor definido como aventureiro, surfista, caçador.

Um velejador experiente que, com muita disposição, curiosidade e coragem, se lançou ao oceano para uma viagem de volta ao mundo a bordo de um veleiro, numa aventura que durou 10 anos “E a segunda volta ao mundo já está em curso”, conta o Sombra.

            Com tatuagem no braço, uma longa barba grisalha e uma boina de marinheiro, João Sombra é uma figura pitoresca, que atrai a curiosidade já a primeira vista. Ele está de passagem aqui por Torres, e o Jornal A FOLHA aproveitou a oportunidade para conversar com “o Capitão”, como ele é conhecido pelos amigos. Homem do mar, sua primeira experiência com a vela veio aos 9 anos. “Comecei com um pequeno veleiro pinguim quando criança, e desde cedo já sonhava em um dia cruzar os oceanos numa embarcação”.

            A paixão pelos mares foi crescendo com o passar dos anos, João Sombra foi se aperfeiçoando como velejador, adquirindo embarcações maiores, explorando novos lugares. Além disso ele também foi tomando contato com a pratica o surf, que ainda engatinhava no Brasil nos anos 60 e 70. Porém, o desejo de velejar  e surfar do “capitão” dividia atenções com seus deveres profissionais, sua atuação no serviço público junto a Caixa e ao BNDES. “Quando trabalhava, as férias eram o tempo para viagens mais longas. Velejei por toda a costa do Brasil nestes períodos, de norte a sul, e a família também me acompanhou”.

Volta ao Mundo

Mas um lado aventureiro do capitão não se contentava em velejar apenas pelo Brasil. Ele estava sendo chamado pelos mares, sedento por novas viagens, por conhecer novas culturas. E em 1996, Sombra aderiu ao programa de demissão voluntária da Caixa, e com isso conseguiu o dinheiro necessário para a aquisição do Guardian, um belo veleiro de 43 pés que seria sua fiel embarcação num ousado projeto de volta ao mundo.

Após velejar pelo Caribe, acompanhado sempre de sua esposa (Balbina) e filhos (Átila e Alexandre), foi em maio de 1996 que João Sombra partiu de San Diego (EUA) a bordo do Guardian, para uma viagem que duraria 10 anos. Em seu planejamento, o capitão escolheu a rota do sol, que permitiria aos tripulantes curtir o verão durante os dez anos de travessia pelo mar.

E foi assim que o velejador adentrou os mares, chegou ao Hawaii, cruzou o Pacífico por localidades exóticas e paradisíacas como a Polinésia Francesa (e outras ilhas da Oceania), Nova Zelândia, Austrália e Indonésia. Após aportar no sudeste asiático, passou pela Índia e o Oceano Índico, velejou no Mar da Arábia, passando depois pelo estreito Mar Vermelho (que margeia países árabes e africanos). Continuando a jornada, ele cruzou o Canal de Suez, no Egito, para chegar ao famoso Mar Mediterrâneo, onde visitou diversas localidades da costa europeia, desde as Ilhas Gregas até a Sicília (Itália) e o litoral sul da Espanha. No sul da Península Ibérica ele cruzou o Estreito de Gibraltar e alcançou o oceano Atlântico, para margear o noroeste africano, passar por Cabo Verde (África) e, finalmente, aportar no Brasil, primeiro em Fernando de Noronha, depois Maceió (casa de João Sombra) até chegar a Santos, onde terminou a viagem em agosto de 2006.

O objetivo de João Sombra sempre foi o de fazer uma longa viagem, aproveitando com a família para conhecer demoradamente a cultura, os costumes e as belezas dos lugares que visitava e mais gostava. Em Bali, por exemplo, o velejador chegou com a intenção de ficar dois meses, mas acabou ficando dois anos “Nossa ideia sempre foi fazer a volta ao mundo, e não simplesmente correr ao longo dele. E foi uma experiência fantástica”, indicou o capitão.  

DA ESQUERDA PARA A DIREITA: Os proprietários da Cafeteria Bambaé ,
o capitão João Sombra e seu amigo, Paulo
 

 Da notoriedade a paradisíaca Indonésia  

Mais de seis anos se passaram desde que João Sombra retornou ao Brasil após sua triunfante viagem de volta ao mundo a bordo do veleiro Guardian. Seus 10 anos de mar renderam boas amizades com gente do mundo todo e algumas ótimas histórias. Ele escreveu livros, participou de programas como Fantástico e Globo Esporte contando sua aventura, e foi  também entrevistado por Jô Soares.

Seria impossível sintetizar em um texto de jornal todas as experiências vivenciadas por esse velho lobo do mar, mas alguns lugares ficaram especialmente marcados pelo velejador. A bordo do Guardian, João Sombra e sua família encontraram na Indonésia (especialmente em Bali) um pedaço do paraíso. “Ventos brandos águas luxuriantemente belas e calmas dão a tônica nesta nossa passagem por Bali, um ambiente tropical que obviamente nos leva a lembrança de nosso nordeste brasileiro. Vulcões, templos, locais incrivelmente imaculados ainda encerram em si a beleza exuberante de uma natureza tão diferenciada para nos ocidentais; pássaros de rara plumagem, pequenos camaleões que voam, os dragões de Komodo, macacos que comem mariscos e pescam, e toda uma gama de fantásticas e novas descobertas”, relatou Sombra em um artigo .

A Indonésia é um país que traz em seu bojo várias culturas e mais de mil diferentes dialetos, apesar de ter o idioma indonésio como elemento de integração nacional; “Ao visitante que chega a Indonésia, nota-se uma aura de simpatia e de sorriso imediato por parte dos locais. O pessoal por lá é feliz, mesmo carecendo de aspectos básicos para nós, pessoas ocidentalizadas”, indica o velejador. 

Tempestades, tsunamis e navios cargueiros 

Apesar de não serem regra, alguns perigos também rondam os velejadores errantes que desbravam os mares, como as tempestades. “Ventos fortes, potentes rajadas de até 70 nós, chuva intensa. Nos deparamos muitas vezes com este cenário, Mas este é o ciclo natural das tempestades tropicais. Inicialmente os relâmpagos, raios e trovões, seguido de fortes ventos, precedendo a chuva forte que acalma tudo para depois vir a calmaria”.

Porém, o mar também guarda segredos que podem resultar em catastróficas destruições. Em dezembro de 2004, durante a histórica tsunami que devastou parte da Ásia e Oceania, e que resultou em mais de 200 mil mortos, o veleiro Guardian estava aportado em Phuket, na Tailândia, perto do olho da tsunami. “Felizmente, em meio a todo aquele caos, nossa embarcação estava afastada da onda gigante, e nós fomos evacuados com urgência pouco antes da onda devastar a cidade. Mas o pânico se espalhava, muita gente morreu e cidades foram destruídas. Já eu e minha família, sãos e salvos, aprendemos uma lição do quanto o mar pode ser furioso”.

Outros perigos são obras de seres-humanos. Em seu site, João Sombra conta do terror instaurado por alguns navios cargueiros, que além de estarem envolvidos com pirataria também atacam veleiros pelos oceanos. “Em 1998, quando navegávamos de Tonga para Nova Zelândia em comboio com mais 3 veleiros, um destes foi literalmente atacado por um navio cargueiro. Em 1999, quando chegávamos a costa Australiana, na altura do inicio da grande barreira de corais, sofremos um ataque por um revoltado navio cargueiro que poderia ter acabado em tragédia, não fosse a nossa presença de espírito”.O capitão aponta como razão para a ira inconsequente dos navios cargueiros contra os veleiros a uma espécie de desequilíbrio mental  desenvolvido pelas tripulações, oriundo das diferenças entre a vida no mar e em terra firme, além de um sentimento de inveja alimentada contra a vida tranquila dos velejadores de cruzeiro.

  

paradisíaca Phuket (Tailândia): Neste cenário belíssimo, o capitão João Sombra presenciou
a fúria dos mares encarnada numa tsunami

 Da caça submarina a exuberante Nova Zelândia 

Os muitos anos de cruzeiro desenvolveram em João Sombra alguns gostos não muito comuns para a grande maioria da população, como a caça submarina. “Desenvolvi com o tempo um gosto muito grande pela pesca, e acabei me tornando também um caçador submarino. Usa-se um arpão e equipamento de mergulho para ir atrás dos grandes peixes que vivem no oceano. É um prazer que divido com meu filho mais velho, Alexandre, um caçador de polvos”.

E com uma vida tão singular, e após tanto tempo velejando, a rotina em terra firme não era mais suficiente para o capitão, que se mantêm sendo um homem do mar, com um destino errante. “Uma nova viagem de volta ao mundo já está em curso, e só não estou velejando agora porque meu barco está passando por reparos na Nova Zelândia”.

Aliás, as duas distantes ilhas da Oceania que juntas formam a Nova Zelândia tornaram-se mais do que um porto seguro para João Sombra. Por lá, na tranquila e exuberante Bay of Islands (Baia das Ilhas, ao norte da Nova Zelândia), o velejador possui uma residência. A beleza única do país (com suas surpreendentes formações vulcânicas e milhares de pequenas ilhotas próximas a costa), a receptividade da população neozelandesa,  a paixão local por veleiros e a singular história dos povos nativos: juntos, estes foram os principais atributos que levaram João Sombra a se apaixonar pelo país.

 “Mil anos antes dos portugueses, os povos polinésios já velejavam e chegavam a lugares incrivelmente distantes, tendo em vista as suas rudimentares embarcações. A Nova Zelândia foi um dos últimos lugares do mundo a ser ocupado por homens, que lá chegaram vindos do Tahiti. O guerreiro povo Maori que se estabeleceu na Nova Zelândia mantém sua milenar tradição até hoje. Aliás, os Maoris são um caso singular no mundo, pois são o único povo “original” que não foi subjulgado pelos exploradores europeus, que lá chegaram na época das grandes navegações do século XVIII”, explica o velejador.

O repórter que vos escreve esta matéria também viveu por um tempo na Nova Zelândia, e divide com João Sombra o gosto por esse país. Formada principalmente por uma população de nativos maoris e descendentes de colonizadores britânicos, o povo neozelandês (ou kiwi) é prestativo e amistoso em geral, é viciado em pesca, rugby e prioriza uma vida sem tantos stresses. É um dos países mais belos do mundo, e também um dos mais desenvolvidos. Em contradição ao Brasil, foi eleito por 4 anos consecutivos como o país menos corrupto do mundo. 

A má-fama dos brasileiros e as contradições do Caribe 

Um sentimento que se mostrou recorrente em suas viagens com o Guardian, e que chateia João Sombra, foi a má-fama ligada aos  brasileiros viajantes. “Infelizmente, já se criou um preconceito com relação aos brasileiros em muitos países do exterior. Casos de brasileiros envolvidos com prostituição, furtos, calotes se espalham por diversos países, e a má-fama de nossa gente foi se construindo. Essa má-fama fortalece a imagem negativa e preconceituosa que muitos gringos carregam acerca de nosso país. É claro que isto não é regra, a maioria dos brasileiros são boa gente, honestos, gentis e calorosos. Porém, a verdade é que brasileiros já fizeram muita merda por este mundo, se descontrolam, perdem o bom senso. Eu que vivi fora por muito tempo, penso que são umas poucas maçãs-podres sem caráter que espalham o “vírus da canalhice” por nosso país, gente que se orgulha da malandragem brasileira, do jeitinho para burlar as regras como se isso fosse algo bom” manifesta o capitão.

Já no Caribe, Sombra percebeu claramente a distinção entre paisagens paradisíacas e uma população empobrecida. “Apesar das paisagens maravilhosas para um velejador (de lugares como Curaçau, e Aruba) nos deparamos em algumas das ilhas com um povo local hostil, furtos, gente pouco civilizada que parece carregar uma amargura pelos tempos de escravidão e pela exploração sofrida até hoje. (lembrando que a maioria das ilhas caribenhas foi explorado pelos europeus como grandes fazendas, onde predominava o trabalho escravo)

Construção de novo polo pesqueiro em Torres

Polo pesqueiro em Torres teria características semelhantes a Marina de Quarteira (em Portugal) 

Mas voltando para a realidade de nossas terras gaúchas, vale complementar que a estada do aventureiro João Sombra por Torres não é um mero acaso. Sua formação como arquiteto não foi esquecida em seus muitos anos como velejador, e o capitão na verdade se aprimorou numa área específica: é um arquiteto de Marinas.

Com experiência internacional na área e desde agosto no litoral gaúcho, Sombra passou a desenvolver estudos focando a criação de polos pesqueiros e marinas em nosso estado. “Isso possibilitaria um novo desenho marítimo para a região costeira do Rio Grande do Sul, tornando assim mais seguro o navegar de barcos pesqueiros e veleiros”.

Atuando em conjunto com a Metroplan e o governo do estado, projetos de marinas vêm sendo estudados por João Sombra para diferentes locais do RS. “O fato é que não há marinas estruturadas no RS. Em princípio estão sendo planejados a construção de 5 módulos destes tipo de Marinas e os dois polos náuticos pesqueiros na Barra do Mampituba, em Torres e na Barra do Imbé”, detalha.

Aqui em Torres, o polo pesqueiro planejado iria alterar o visual dos nossos molhes, e ampliar as possibilidades de navegação. Os molhes (tanto de Torres quanto de Passo de Torres) seriam alargados e remodelados.  Em relações as ondas do local, João Sombra admite que a estrutura provavelemnte acabaria com a onda no meio do rio, “porém uma nova onda pode surgir próxima aos novos molhes”, finaliza o esperançoso arquiteto e aventureiro.

 

Contato: e-mail: guardianboat@yahoo.com.br

 

 

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